quinta-feira, 5 de novembro de 2009

DA ESPERANÇA (a partir de um sonho...)

Na noite mais escura,
nas paragens noturnas dos sonhos,
minha alma passeia
sobrevoando as brumas de Tara.

Do alto, sobre a névoa,
vejo luzes pálidas
de uma antiga cidade,
e no seu centro... uma capela.

Desço ao chão e pelo vitral
entro no interior penumbrado,
tocado pelas luzes delicadas
de círios acesos aos santos.

Na nave central, um grupo passeia
peregrinando seus olhares...
enquanto um jovem padre
relembra a antiga história do templo.

Então alguém pergunta
pelas origens da gótica capela...
e o padre com emoção conta
uma curiosa história envolta em cena:

“Nas manhãs do tempo, antes
dos antigos nos escreverem seus feitos,
foi para cá destacado um zelador
para guardar e cuidar da capela.

Vindo de longe, sendo estrangeiro,
pode perceber coisas que a gente
do lugar não percebia de tão perto:
havia em todos um fatídico medo da noite...

um medo tremendo: um medo
que a noite não mais os deixasse... e por isso
velavam insones, no escuro dos interiores
dos seus lares, pela chegada do dia novo...

Isso, dia após dia, foi tomando
o zelador de uma tristeza e com-paixão
ele foi arquitetando um plano
para que todos acreditassem n’a-manhã.

Então, num dia qualquer, depois disso,
ele construiu um engenho mecânico...
um carrilhão de pássaros que cantavam
na hora mais escura da noite;

para que assim, os moradores pensassem
que a aurora era chegada... e tranqüilos dormissem;
matando o medo no seus corações;
tomados pelo medo que o sol não mais voltasse.

Assim foi... por anos: o carrilhão cantava
as vozes dos pássaros anunciando a aurora...
e os moradores, dessa forma, venciam o medo
e novamente dormiam, despertando seus sonhos.

Mas, o inevitável aconteceu... silenciando
a voz do zelador, já velhinho; e com ele
seu engenho tão zelosamente mantido
na torre da capela de Todos os Santos.

A vila toda correu pra velar pelo imóvel
corpo do zelador, amigo de todos e de todos
veio de novo visitar o antigo medo:
‘quem haveria agora de anunciar a aurora?’

Silenciava no peito de todos a aflição
que novamente a noite não os deixasse,
já que não havia quem operasse o carrilhão
dos pássaros, silenciados pela morte...

Então um murmúrio de preces invadiu a capela,
onde o velho corpo era velado, com carinho e saudade,
feito de dor e medo, angustia e piedade,
mãos vazias entregues aos céus, corações apertados...

Então, algo estranho aconteceu... como milagre
um revoar de pássaros da alvorada cantavam em plena noite...
e todos perceberam que não estavam sozinhos
pois nunca estiveram: os pássaros lembravam Algo.”


Então os peregrinos na capela
agradeceram ao padre pela história
e em paz voltaram para suas cidades sabendo
porque aquela igrejinha era a catedral da cidade.

Um outro padre que a tudo escutava
encostado em uma coluna, não muito distante,
observou o ir dos peregrinos... e disse,
por entre o enfado e a piedade:

“Jorge, caro amigo, por que ainda contas
essa antiga história ?... Hoje nela ninguém
mais acredita... não perca seu verbo, caro amigo!”
O outro, acolhendo com doçura

aquelas palavras, disse com serenidade:
“Mais do que nunca é preciso cantar na noite
os sonhos feitos com engenho e arte, para assim
despertar neles novamente uma luz...quem sabe.”

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